O pai de todos
Uma caixa reunindo os discos dos anos 60 e 70 de Jorge Ben
(hoje Jorge Ben Jor) mostra por que ele é o músico mais influente da MPB
O SEGREDO ESTÁ NA MÃO DIREITA
Jorge Ben e seu violão nos anos 60: ele inventou um jeito novo
de tocar samba com andamento de rockJorge Ben Jor é o artista mais importante da música popular brasileira da segunda metade do século XX. Contemporâneo de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Milton Nascimento e Chico Buarque, o cantor e compositor supera seus companheiros de geração na conjunção de dois quesitos: popularidade e influência. Seus quase cinquenta anos de carreira registram altos e baixos, mas ele nunca deixou de vender discos e lotar shows – hoje, aos 70 anos (presumidos: ele esconde a idade), mantém uma média de oito apresentações mensais. Sua influência sobre as gerações mais novas é inestimável: dos anos 70 em diante, virtualmente todo músico que misturou MPB com rock, soul e pop deve algo a Jorge Ben Jor. Seu período mais criativo, de 1963 a 1976, acaba de ser reunido na caixa Salve, Jorge!, com treze discos mais um álbum duplo repleto de raridades. A audição desses CDs mostra por que Jorge Ben (como foi conhecido até 1989) é a referência maior para os nomes mais interessantes da música atual (veja o quadro na página 200).
Os artistas influenciados por Chico ou Caetano raramente desgrudam do molde original. Tornam-se epígonos aborrecidos, como Chico César, carbono de Caetano. A música de Jorge, ao contrário, fertilizou bandas e movimentos com personalidade. Tamanha influência se explica pelo pioneirismo de Jorge Ben Jor em dois fronts. Ele foi dos primeiros a compor letras que falavam da negritude e da vida bandida no morro (caso de Charles Anjo 45, de 1969). Grupos de reggae como O Rappa e Cidade Negra e rappers como Racionais MC’s levaram esse discurso adiante (com mais agressividade). Mano Brown, líder dos Racionais, até batizou o filho de Jorge, em homenagem ao compositor de África Brasil. Mas é no campo estritamente musical que a importância de Jorge Ben Jor se revela superlativa. Ele criou uma batida única para tocar, no violão, o samba com andamento de rock: com uma mão direita rápida, batia nas cordas do instrumento em vez de dedilhá-lo. É o segredo de seu celebrado suingue. "Minha formação vem de Jorge. Comecei imitando o jeito com que ele tocava", diz o cantor e guitarrista Lucas Santtana, que neste ano lançou Sem Nostalgia, CD no qual samples do violão de Jorge são misturados a batidas eletrônicas.
"Jorge Ben Jor é um inovador. Está no mesmo nível de James Brown e Bob Marley", diz o cantor e guitarrista Max de Castro. Nos anos 70, o suingue do músico carioca inspirou o samba-rock de Bebeto e do Trio Mocotó. Bandas de rock dos anos 80 e 90 buscaram a lição de Jorge para "abrasileirar" seu som – foi o caso do Paralamas do Sucesso e do Skank. "A sonoridade do Skank deve muito a Ben Jor", diz o tecladista do grupo mineiro, Henrique Portugal. Com suas letras astrológicas e seus arranjos esquisitos, A Tábua de Esmeralda, de 1974, foi o disco de cabeceira de artistas do manguebit, movimento musical surgido no Recife no início dos anos 90. No ano que vem, os Sebosos Postizos, banda paralela integrada por membros da Nação Zumbi, expoente maior do manguebit, e por Bactéria, ex-tecladista da mundo livre s/a, vão lançar um disco com covers de Jorge Ben Jor. "A gente faz uma leitura mais densa das obras dele", diz o vocalista Jorge Du Peixe. A "densidade", no caso, fica por conta de elementos do dub jamaicano que os músicos pernambucanos acrescentam às canções do compositor carioca – um híbrido muito fiel ao espírito de Jorge Ben Jor.
Leitor dedicado, Jorge participa semanalmente de um sarau literário no Rio. Ultimamente, anda frequentando as obras de dois xarás: o argentino Jorge Luis Borges e o brasileiro Jorge de Lima. Reactivus Amor Est (Turba Philosophorum), seu mais recente CD de material inédito, de 2004, não traz nada que se compare em vitalidade a qualquer dos discos da caixa Salve, Jorge!. Seu ímpeto criativo não é o mesmo do passado. Ainda assim, o futuro da música brasileira fatalmente passa por ele.
domingo, 21 de março de 2010
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