segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

JORGE



O HOMEM PATROPI

Na maior entrevista de sua carreira, Jorge Ben Jor fala de família, suingue e alquimia
  • Na maior entrevista de sua carreira, Jorge Ben Jor mostra por que, nos últimos 40 anos, nunca deixou de ser uma das mais completas e transparentes traduções do Brasil. Ele abre o jogo sobre a mãe de família etíope e o pai descendente de austríacos, sobre a fusão do samba com o rock, a ponte aérea Rio-Flórida, o futebol, o golfe e a transmutação de metais em ouro. Nas próximas páginas, relaxe e curta o suingue do maior alquimista da música brasileira
Marcelo Naddeo
Há quase cinco décadas Jorge Ben Jor tem oscilado entre fases de superexposição e outras de relativo sumiço. Mesmo nessas últimas, desde 1963 nunca deixou, nem um minuto sequer, de ser uma das mais completas e transparentes traduções de Brasil.
Idêntico ao Brasil, Jorge é uma usina produtora de sambas. Mas são sambas tortos, impuros, exuberantes, miscigenados, sacudidos por influência norte-americana do funk e da soul music. Iguaizinhos ao Brasil, são sambas mestiços de europeus e indígenas, de quando todo dia era dia de índio, e black music total, música negra brasileira.
Historicamente, é criador de letras de imediato poder comunicativo e contundente simplicidade. Sob linguagem direta, sem rebuscamentos nem medo de derrapar nas normas cultas da língua, conta histórias simples e não raro tortuosas, mas que todo brasileiro (e mesmo um punhado de gringos) entende num piscar de olhos – o trio formado por “País tropical”, “Fio maravilha” e “Taj Mahal” é suficiente para provar e mover a massa, onde e quando for repetido.
Suas musas inspiradoras não são garotas bossa-nova de Ipanema (mas poderiam até ser, que elas o adoram). Estão mais para meninas do subúrbio, negras, louras, morenas e mulatas de nomes Domingas, Jesualda, Aparecida, Bebete, Berenice, Katarina, Ana Tropicana, Xica da Silva. O próprio Jorge sempre esteve menos para Tom Jobim que para, bem... para Jorge Ben (Ben Jor ele só virou em 1989). Quando está aparecido, Jorge é sucesso simultâneo de público e de, digamos, crítica – não há músico suingado dos anos 90 ou 2000 que não goteje influência de sua matriz sonora (e filosófica), dos mangueboys a Seu Jorge, de Fernanda Abreu a Leandro Lehart, de Marisa Monte a Mano Brown.
Jorge andava sumido outra vez e ressurgiu no último dia 19 de setembro, numa das maiores casas paulistanas de shows – abarrotada como se ele fosse tema de abertura da novela das nove. Iniciada a apresentação, ficou imediatamente claro que o homem baile não apenas está de volta, mas que alguma coisa muito nova está acontecendo com ele. Ao longo da noite, mostrou que fez as pazes com o adorado disco A tábua de esmeralda, marco na história da música brasileira ao qual permaneceu reticente por muitos anos.
Concebido em 1974, era todo forrado de referências à alquimia, a arte quimérica de transformar metais diversos em ouro. Naquele ano, por sinal, não era só Jorge que andava a toda. Tim Maia se convertera ao Universo em Desencanto e fazia propaganda religiosa da organização nos maluquíssimos LPs Tim Maia Racional. Raul Seixas cortejava a magia negra e alardeava aos quatro ventos a Sociedade Alternativa. A exemplo do que fez Tim com a fase Racional, Jorge trancou no baú aquele capítulo.
Fato raríssimo, falou pelos cotovelos – sobre alquimia, a vida de seminarista, a também discretíssima família, suas relações com rap e funk carioca
A entrevista a seguir dá mais uma pista de que algo se move em seu peculiar imaginário. Jorge é desafio árduo para qualquer entrevistador. Geralmente muito reservado, gosta de responder com monossílabos e segundo uma lógica interna bem particular. Pois não foi assim desta vez. Atendeu à reportagem de Trip em condições de alta temperatura e pressão, tipicamente “benjorianas”, mas, fato raríssimo, falou pelos cotovelos – sobre alquimia, a vida de seminarista, a também discretíssima família, suas relações com rap e funk carioca.
A primeira etapa do encontro aconteceu no dia do show paulistano. Viajamos ao Rio de Janeiro apenas para encontrá-lo no aeroporto Santos Dumont e embarcar a seu lado para São Paulo. Durante o voo, aconteceu a maior parte da entrevista. Num segundo encontro, a convite dele, Trip conheceu a atual menina dos olhos de Jorge, um sarau chamado Corujão da Poesia, do qual ele é padrinho e mestre de cerimônia. Às terças-feiras, numa livraria 24 horas do Leblon, um Ben Jor assíduo (e notívago, talvez insone) faz vezes de MC e conduz uma jam como fundo musical para declamações madrugada adentro.
Imagem: Adhemar Veneziano / Editora Abril
O compositor com sua mãe, Silvia Saint Ben Lima, em registro de 1969
O compositor com sua mãe, Silvia Saint Ben Lima, em registro de 1969
Confirmou-se ali a impressão de que o cantor cultiva apaixonadamente o hábito de permanecer eterna criança. O mesmo Jorge galante que no avião apanhou um punhadão de balas toffee do cesto da aeromoça (“Ah, aceito, essas balinhas me deixam maluco!”) reaparece no Corujão, distribuindo presentinhos para poetas: às moças, sacolinhas de São Cosme e Damião; aos rapazes, pipas (ou papagaios, bariletes, pandorgas, como listava em “Olha a pipa”, outra música que depois ficou perdida no tempo).
À maranhense Lília Diniz, que cantou e declamou Patativa do Assaré com voz de trovão, deu uma boneca (“Faz muito tempo que não ganho uma”, ela se espantou). Maravilhou-se quando o jovem poeta e palhaço Lucas Castelo Branco encenou com furor um enorme poema de Fernando Pessoa. Num dia em que o menino chamado Jorge estava a toda, ele ainda cedeu à sugestão da produção para uma suada sessão de fotos e então o inesperado aconteceu: às 3h30 da manhã, Jorge Ben (Jor) tornou-se o que sempre foi, o homem da gravata florida. Tal qual o país em que nasceu e que canta dez de cada dez canções que compõe, parece viver um momento de intenso reencontro consigo mesmo. Se por acaso você estranhar suas palavras sobre alquimia e transmutação, experimente escutá-lo não no sentido literal, mas sim no simbólico, no poético. Afinal é disso, de poesia, que o homem verde-negro-amarelo da gravata florida vive em tempo integral. Voa, Jorge, voa.
“Fiz dois anos de seminário, aqui no Rio, e aprendi latim por causa da literatura de São Tomás de Aquino”
(NO SAGUÃO DO AEROPORTO, ELE COMEÇA CONTANDO, EMPOLGADO, SOBRE O CORUJÃO DA POESIA.) VOCÊ LÊ POESIA?
Leio. Mês passado comemoramos lá os 102 anos de Jorge Luis Borges, o poeta argentino. Fizemos uma hora só de Borges. Levei um livro, todo mundo leu Borges, uma coisa maravilhosa. Só pra ficar nos Jorges, já fizemos Jorge de Lima, grande poeta brasileiro, alagoano, médico que se apaixonou pelo Rio de Janeiro.
VOCÊ SEMPRE GOSTOU DE LER? NOS ANOS 70, CITAVA DOSTOIÉVSKI EM MÚSICAS...
Sempre, sempre. Ganhei um livro de sonetos de Shakespeare que é a coisa mais linda, rapaz. O cara era fodaço, genial. Os sonetos são todos amorosos, têm coisas sarcásticas, mas é todo amoroso, ele devia ter uma musa maravilhosa. Leio as biografias dos meus musos, os poetas brasileiros. Oswald de Andrade, puta que pariu!, os versos dele, sonetos, tudo malandreado, ele já era moderno, estava à frente. Na minha adolescência já lia coisas difíceis, lia e decorava textos em latim. Sabia São Tomás de Aquino, a Suma teológica, coisas que aprendi no seminário.
VOCÊ FOI SEMINARISTA?
Fui, fiz dois anos de seminário, aqui no Rio. Aprendi latim por causa de São Tomás de Aquino [pronuncia “Aqüino”, com trema]. Ele tem uns textos lindos, a Suma teológica... Saber que um santo como ele era um alquimista famoso... É demais, pra você ver, São Tomás de Aquino escreveu uma coisa simples, bonita e poderosa [fala em tom recitado]: “O mundo é um suceder de níveis, desde a matéria inanimada até a suprema beatitude do ser eterno, que é Deus”. Ele diz que a primeira lei natural é a conservação da vida – todo mundo quer conservar a vida –, depois a geração, que é ter filhos e educar os filhos, e depois o desejo de verdade. O único país que aproveitou bem a teologia de São Tomás de Aquino foi a Alemanha. A Constituição alemã é toda tomasiana, toda. Outros imitam, mas a Alemanha...
É FÁCIL DE ENCONTRAR? SÃO TOMÁS DE AQUINO NÃO É MUITO POPULAR, É?
Não, não é. Uma vez na Itália, terra dele, perguntei e o livreiro falou: “Não, São Tomás de Aquino é um santo série B” [ri]. Não é um santo série A. Série A é São Pedro, São Paulo...
SÃO JORGE...
São Jorge também é B... Aqui no Brasil que é A. Gozado... [Nos acomodamos nas poltronas do avião]. Na Delta Airlines e na American Airlines tem as aerovelhas [risos], elas são bravas, “Não pode passar aí, não é seu lugar, porra!”.

Imagem: Hamilton / AJB
Em um boteco, foto para reportagem do Jornal do Brasil em 1970
Em um boteco, foto para reportagem do Jornal do Brasil em 1970

VOCÊ CHAMA ELAS DE AEROVELHAS??

Não, não, mas são todas velhinhas bonitinhas, arrumadinhas. Os americanos têm isso de bom, deixam as velhinhas trabalharem de aeromoças [um jogador de futebol se senta a seu lado].

ESSE NÃO É DO SEU TIME...
Não. Ele foi do Flamengo.
NÃO ENTENDO NADA DESSE ASSUNTO...
Esporte você não cobre não?
NÃO, MAIS MÚSICA.
Só música? Ah, o relacionamento da música com futebol é bom, pô.
POIS É, A COMEÇAR POR VOCÊ, JORGE. NUNCA ENTENDO ONDE VOCÊ MORA. UM POUCO NOS EUA E UM POUCO NO RIO?
É, moro um pouco lá, um pouco no Rio e um pouco em São Paulo. Antigamente era mais nos Estados Unidos, por causa da escola e da faculdade dos meus filhos, Gabriel e Tomaso. Fiquei nos Estados Unidos, porque lá, enquanto o filho é menor, você tem que estar perto. O tutor tem que aparecer, pra pagar as contas principalmente [ri] e pra saber como estão as notas. Depois, na faculdade melhorou, mas na high school tinha que ficar mais tempo lá que aqui. Morava no interior da Flórida, em uma cidade bem caipira, Bradenton, uma cidade onde você vê ainda aqueles caras que nem em filme, de macacão e chapéu de rancheiro. A cidadezinha tem a maior high school pra estudantes de fora.
VOCÊ ESTRANHAVA? O CARA QUE COMPÔS “PAÍS TROPICAL” MORAR NESSE LUGAR...
Não, porque dali em menos de quatro horas você está em Miami, de carro. Eles eram internos, a escola soltava no fim de semana, e eles iam para Miami. Hoje Gabriel mexe com tecnologia de música e esse negócio de hotelaria. Faz hotelaria e música eletrônica, essa de DJ.
ENGRAÇADO, O FILHO DO JORGE BEN...
É, e o Tomaso se formou em business administration. Trabalha na bolsa, em Wall Street. Pra Gabriel ainda faltam dois anos de faculdade. Agora minha mulher fica lá com eles, só vem pra cá resolver umas coisas.

FAZ MUITOS SHOWS LÁ?

Lá tem muito trabalho. Mas a agenda tá mais aqui. Junior [Airton Valadão Jr., irmão do cantor Nasi] é um grande empresário. Se você falar pra ele: “Ó, eu quero de segunda a sexta”, ele arranja.
VOCÊ GOSTA DE FAZER SHOWS DE SEGUNDA A SEXTA?
Não, não dá. Modéstia à parte, o nosso show é show, e dois pra gente no mesmo dia não é legal, um não ia sair bom.
SEUS FILHOS SÃO DISCRETOS, NUNCA VI FOTOS DELES.
Tem pouca foto. Eles não gostam muito não.
VOCÊ TAMBÉM É MUITO DISCRETO. FALA SOBRE MÚSICA, E MESMO ASSIM É BEM RARO.
É, falo sobre o meu trabalho. Agora eu tô falando sobre livro e poesia porque gosto.
MUITA GENTE TALVEZ SE SURPREENDA COM ESSE LADO, PORQUE SUA MÚSICA É POPULAR, NÃO VAI PRO LADO “INTELECTUAL”.
É, às vezes eu censuro... Pô, não pode ser muito intelectual, tem que misturar. Minha música é urbana e suburbana. Dostoiévski foi o primeiro livro cabeça que li, depois de São Tomás de Aquino. Foi Os irmãos Karamazov. É um poeta quase contemporâneo. Passou por aquela Rússia toda, dos czares. O jogadortambém é demais...

Reprodução
E A MÚSICA “TAJ MAHAL” (1972), NASCEU DE LEITURAS SUAS?
Leitura minha total. A história do Taj Mahal é linda, na Índia, na cidade de Agra. O príncipe Xá-Jehan era persa, na época em que a Pérsia dominava. E ele casou com Nunts Mahal, devia gostar muito dela, porque tiveram 14 filhos e ele ainda contratou os melhores artesãos turcos e italianos para fazer aquele palácio maravilhoso de pedras preciosas, o Taj Mahal.
VOCÊ JÁ FOI LÁ?
Não. Soube agora que o palácio está moderno, não tinha nem banheiro pra turista, agora tem. Vou ter que ir. Tentei duas vezes, estava em Londres, e a gente ia tocar depois na Tunísia, França, Itália. Aí pensei: vou pra Agra. Mas ia ter que tomar três vacinas e fiquei pensando: pô, vou tomar vacina, pode me dar alguma coisa e tenho o resto da excursão pra fazer. Aí estou esperando.
VOCÊ FALA DOS TUAREGUES EM MÚSICA, FICO IMAGINANDO SE NO SEU SANGUE NÃO CORRE ALGUMA COISA ORIENTAL...
Não, mas eu gosto daquela história. Tem uma espiritualidade, a Índia toda tem. Minha ascendência por parte de mãe é etíope. Agora, por parte de meu pai, é uma mistura de europeus. A família toda dele é branquinha, minha avó era branca, dizem que era austríaca. Meu pai era moreno, nasceu no Brasil já misturado. O resto da família é tudo claro, e eu sou mesclado porque misturou com minha mãe, a África. Nem é muito África lá, Etiópia é outra coisa. Uma coisa incrível que eu estava vendo é que na Etiópia mesmo eles se sentem mais europeus que africanos.
“Eu morava no interior da Flórida, numa cidade bem caipira, Bradenton, onde você vê ainda aqueles caras que nem em filme, de macacão e chapeu de rancheiro”
PODE CONTAR SOBRE SUA INFÂNCIA?
Ah, meus pais foram maravilhosos. Meu pai nasceu no Rio. Minha mãe nasceu na divisa de Rio e São Paulo, em zona rural, não sei se é Queluz. Meu avô era agricultor. Contam que veio pra cá sem querer, que estava em um navio que saiu lá do Mediterrâneo e ia pra outro lugar, e aí parou no Brasil. Por isso eu falo “por um descuido geográfico parou no Brasil num dia de Carnaval” [verso de “Crioula”, de 1969].
DE ONDE VINHA O NAVIO?
Da Etiópia. Que estava sendo invadida.
O QUE SEUS PAIS FAZIAM?
De meu pai aprendi a malandragem e o lado filósofo. Meu pai foi um grande estivador. Tinha um Ford bigode, um caminhão, e o orgulho dele era domingo levar o pessoal pro futebol e pra piquenique. Trabalhou de estivador e quando se aposentou fez parte do bon-vivant da zona sul, morava em Copacabana, ia à praia pescar.
SUA FAMÍLIA NUNCA FOI POBRE?
Não, pobre não. Sempre teve roupa pra mim, e colégio. Esses quase três anos que passei no seminário foram uma bolsa de estudo que meu pai arrumou pra mim. Tinha saído do primário, fiz ginásio e aí arrumei a bolsa, foi a melhor coisa.
VOCÊ GOSTAVA? SEMINÁRIO PASSA A IDEIA DE ALGO RIGOROSO.
Era rigoroso total, mas tinha uma aura... Quando você voltava pro povo, você sentia. Mudava tudo, era um distúrbio. Lá era uma calmaria, falava-se baixo, sem palavrão, cumprindo ordens. Você tinha acesso aos livros pra rezar, pra cantar no coro gregoriano, aquelas coisas bonitas. Eu rezava missa em latim. Fui coroinha também.

Imagem: Paulo Salomao / Editora Abril
 Com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee, Gal Costa e os irmãos Sérgio e Arnaldo Baptista, na estreia do programa Divino, Maravilhoso, da rede Tupi
Com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee, Gal Costa e os irmãos Sérgio e Arnaldo Baptista, na estreia do programa Divino, Maravilhoso, da rede Tupi
VOCÊ É RELIGIOSO?
Sou religioso. Sou cristão, católico e carioca. Só não sou romano porque nasci no Rio de Janeiro.
MAS É ECLÉTICO TAMBÉM. OGUM APARECE MUITO NAS MÚSICAS.
Faz parte da filosofia, né? A igreja, sabe, foi uma coisa que os negros africanos tiveram que inventar, em cada orixá eles botavam o nome de um santo, pra poder sobreviver. É a mitologia dos orixás, essa é a mística.
É VERDADE QUE VOCÊ QUERIA SER JOGADOR DE FUTEBOL, E NÃO MÚSICO?
É, joguei no infanto juvenil do Flamengo. O futebol era bom, mas eu tinha que correr pra trabalhar, estudar, pagar as contas. Lá não ganhava nada, não era remunerado. Até que apareceu a música, mas era outra coisa que eu também não queria.
AI, MEU DEUS. O QUE SERIA DE NÓS?
Meu pai e minha mãe não gostavam. Naquele tempo músico era considerado um marginal, aquelas coisas. Não tinha respeito. Eu trabalhei um pouquinho de despachante, das 10h às 16h. E, nesse ínterim todo, eu já estava na alquimia.
ESTUDANDO, FREQUENTANDO GRUPOS?
Estudando. E tinha um grupo, um grupo de adeptos maravilhosos. Eram da América do Sul, e tinha um brasileiro, professor ou reitor de faculdade, de São Paulo. Junto com um grupo de adeptos da alquimia, ele viu uma transmutação, em 1958.
DE METAL EM OURO?
É, é. Eles viram, e falaram pra mim: “É uma arte”. Quando conversei com eles falei de São Tomás de Aquino... A igreja proíbe falar que ele foi alquimista. Proíbe, mas ele foi. O papa Silvestre deixava, isso no século 13, porque São Tomás de Aquino era um cara de família riquíssima. E ele quis ser padre, monge. Seus pais tinham preparado ele pra ser o conde de Assis, maravilhoso, ricaço. Tanto que se internou sozinho. Foram tirá-lo de lá, e ele falou: “Quero ser padre, gosto daqui”. Em pleno século 13 ele escreveu aquilo tudo, já fazia arte com alquimia. E esses caras daqui viram em 1958, deviam ser grandes na alquimia pra ser convidados pra ver. A todo lugar que tinha ourives, eu ia com outro amigo estudante ver como se fazia ouro. E a gente ficava indignado, eu conto isso numa música do disco Solta o pavão [de 1975, na faixa “Luz polarizada”]: “Coloque o seu grisol sobre a luz polarizada...”.
NUNCA ENTENDI ESSA LETRA, “COLOQUE O SEU...”?
O seu grisol sobre a luz polarizada. Grisol é um frasco de vidro inquebrável. E aquele que forja a falsa prata e o falso ouro não merece a simpatia de ninguém. A gente ficava indignado, todas essas lojas de ourives, pô, aquele ouro todo... era mais metal que ouro. Os alquimistas falavam que é preciso um ouro que não se pode falsificar, é o ouro de dentista, aquele ouro 14, ouro malhado.
“Eu fazia parte de um grupo [de alquimia] maravilhoso. tinha um professor que viu uma transmutação [de metal em ouro], em 1958”
AINDA EXISTEM ALQUIMISTAS?
Eu conheço, na França. Na Europa ainda tem. No Brasil não, não tem.
E VOCÊ JÁ FOI UM ALQUIMISTA?
Não, eu nunca cheguei a fazer transmutação.
NICOLAS FLAMEL E PARACELSO (PERSONAGENS DAS CANÇÕES DE A TÁBUA DE ESMERALDA) ERAM ALQUIMISTAS?
Eram, Nicolas Flamel, ele é que é meu muso. Ele e a mulher dele. Ele é “O namorado da viúva”. Ninguém queria ela – não, eles queriam, mas tinham medo, porque ela era rica e já era viúva três vezes. Flamel é do século 15. É o meu muso [cantarola], “namo-mora-rado da viúva”...
E PARACELSO É “O HOMEM DA GRAVATA FLORIDA”?
É! A história dele é maravilhosa também. Tem até hoje a casa dele na Suíça alemã. Levei o Gilberto Gil na casa do Nicolas Flamel. E, por incrível que pareça, o Gil viu uma coisa lá que eu vi, só nós dois vimos, na casa de Nicolas Flamel. Depois eu perguntei: “Gil, você viu uma coisa que eu vi?”. Ele falou: “Eu vi, você viu?”. Foi incrível.
MAS O QUE FOI?
Vi uma coisa lá, na casa de Nicolas Flamel.
NÃO VAI CONTAR O QUÊ?
Não, não. Mas vimos.
E NÃO ERA SOB O EFEITO DE ALGUMA SUBSTÂNCIA?
Não, não. Vimos uma coisa lá. Nós vimos alguma coisa, mas bonita, não feia. Uma coisa bonita.
Foto: Marcelo Naddeo
Foto: Marcelo Naddeo
Jorge Ben Jor

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